Os Gatos e as Cistites; A Clínica e o Comportamento ! - Bichinho Amigo

Os Gatos e as Cistites; A Clínica e o Comportamento !

 

Nas últimas décadas os felinos vem ganhando maiores espaços nos domicílios brasileiros. É provável que a atenção e a atração que estes animais tem despertado seja originada de seu comportamento estoico, altivo e bastante peculiar da espécie. Os gatos são “caçadores solitários” e possuem habilidades físicas e características comportamentais herdadas de seus antepassados, tanto os domesticados quanto seus parentes selvagens.  Os cães e gatos foram domesticados em períodos históricos distintos e para objetivos distintos. Ambos possuem características anatômicas e fisiológicas específicas, além de comportamento individual e organização social diferentes. Por isso, a clínica destes animais deve ser diferenciada e particularizada, respeitando suas particularidades.

 

As enfermidades urinárias dos felinos representam uma fatia importante das queixas em consultórios veterinários. As doenças renais crônicas são mais frequentes em felinos adultos e idosos do que em cães. Já as injúrias renais agudas muitas vezes são causadas por processos de intoxicação, visto a importante sensibilidade dessa espécie à diversos fármacos e/ou outras fontes tóxicas como, inclusive, plantas. Além dos rins, os outros órgãos do sistema urinário como os ureteres, a bexiga e a uretra podem ser acometidos por distintas causas: distúrbios obstrutivos, urólitos (cálculos), processos inflamatórios ou neoplásicos. Atualmente os processos de origem das cistites (inflamação de bexiga) e suas opções de tratamentos tem sido amplamente discutidos por nefrologistas veterinários e especialistas em medicina de felinos, visto que pode tratar-se de uma enfermidade mediada por stress.

 

Os processos inflamatórios da bexiga de gatos podem ter origens multifatoriais como já descrito as obstruções, os cálculos e os neoplasmas. Comumente associam-se as cistites à causas infecciosas e bacterianas, porém, as contaminações vesicais devem ser particularizadas entre os gatos e os cães que apresentam com frequência cistites bacterianas. Os felinos são carnívoros restritos e por este motivo produzem uma urina bastante ácida. Além disso, eles tem uma poderosa habilidade de concentração de urina, especialmente em situações de stress, cita-se também uma camada protetora do urotélio vesical chamada de glicosaminoglicanos. Assim uma urina ácida e saturada não é um bom ambiente para multiplicação bacteriana. Acredita-se que apenas 2% das cistites dos gatos sejam bacterianas e estima-se que 65% delas tenham origem idiopática, sendo um desafio, tanto diagnóstico, quanto terapêutico ao clínico veterinário.

 

A cistite intersticial felina é uma enfermidade com semelhanças clínicas e etiológicas com a cistite idiopática humana, sendo alvo de comparações. É também denominada de cistite intersticial felina, doença idiopática do trato urinário inferior dos felinos (DTUIF idiopática) ou “Síndrome de Pandora” fazendo referência à história dos males da caixa de pandora em analogia com o comportamento felino em situações de stress crônico. Esse tipo de cistite tem origem, portanto, de uma doença psicossomática onde o paciente, por influência de situações estressantes, libera pulsos contínuos e incontroláveis de catecolaminas (noradrenalina),  que são substâncias que estão relacionadas ao sistema nervoso central. Sabe-se que a bexiga dos gatos possui sensibilidade fornecida por neurônios aferentes (fibras C) que informam sinais dolorosos à medula e responsável por liberação de neuropeptídeos (substância P) e este ciclo se retroalimenta com ainda maiores liberações das catecolaminas. Quando isso acontece, células mediadoras de inflamação chamadas de mastócitos invadem a parede da bexiga, promovendo além de inflamação e dor a consequente redução da camada protetora de glicosaminoglicanos.

 

Assim, a dor e a inflamação da bexiga promovem ainda mais o stress, consequentemente. Por isso, os animais apresentam polaciúria (urinam com maior frequência e em poucas quantidades), hematúria (sangramento na urina), disúria (dor e vocalização para urinar), periúria (urinam fora da caixa de areia). Em casos graves os pacientes podem apresentar obstrução de fluso de urina pela uretra por edemas e/ou tampões mucosos e de coágulos, culminando com graves sinais clínicos e necessitando de atendimento de urgência.

O tratamento da cistite deve ser realizado associando-se analgésicos e anti-inflamatórios; antibióticos só devem ser empregados em casos de urocultura positiva com antibiograma (bactérias na urina). Após exclusão de todas as possíveis causas de cistite e sugestão de cistite idiopática, implanta-se um programa de mudanças que vão além dos fármacos, buscando qual a provável causa de stress do paciente. Lembrando-se sempre que os gatos domésticos materializam o stress em doença física. Dentre algumas das várias causas de stress crônico podem ser destacadas: caixas sanitárias, vasilhas de água ou alimento sujas ou mal posicionadas, introdução de outro gato no ambiente, disputa territorial contante e interações agressivas entre gatos ou gatos e outras espécies, mudanças repetintas de rotina dos gatos, mudanças de móveis, esconderijos, obesidade e ambiente sem atrativos e atividades para gatos. Levando em consideração que gatos não são bons bebedores de água, as dietas com rações muito secas para animais que não bebem muita água podem ser fatores importantes para cistites.

 

Com essas informações podemos observar uma dentre uma constelação de diferenças, tanto de doenças quanto de tratamentos, entre os cães e os gatos. Estas particularidas dos felinos devem ser respeitadas e sempre levadas em considerações por parte dos tutores dos gatos e dos médicos veterinários que os acompanham. As cistites em gatos são doenças de importância clínica que possui cura. Nos casos de cistites idiopáticas as questões comportamentais devem ser bem manejadas objetivando evitar recidivas e complicações graves como obstruções uretrais e situações de urgência. A todo e qualquer sinal de distúrbio no ato miccional, de alteração tanto em cor e produção de urina ou postura inadequada ao urinar devem receber atendimento veterinário o mais breve possível.

 

 

Charles Silva de Lima

Médico Veterinário

Especializado em Clínica Médica de Animais de Companhia – UFPel

Mestrando PPG em Ciência Animal – UNIFRAN

Nefrologia e Urologia

 

 

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